sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Sodade


Acabo de assistir a um filme-documentário intitulado “São Tomé, Os Últimos Contratados”, produção e realização de Leão Lopes.
Confesso que não sabia nem da existência do documentário. Através de minhas visitas diárias pela blogosfera cabo-verdiana soube pelo blog Caboverdiano que o mesmo iria se estrear hoje (19/02) e no dia 26/02 em São Vicente.

Despertou logo minha curiosidade porque nunca tinha sequer ouvido falar de um trabalho, de uma produção que retratasse esse capítulo da nossa história, aliás dos dois países.
Estudei no Brasil cinco anos e todo esse tempo compartilhei vivências e momentos com colegas santomenses, “os santolas”. Todos alegres, amantes da vida, nunca estavam tristes. Até para contar histórias tristes das quais lhes eram passadas por seus familiares descendentes, sobre a viagem para São Tomé, o trabalho na roça, a vontade de pelo menos rever os entes queridos que teriam ficado para trás, as promessas de retorno, enfim.

Sobre o documentário, o próprio Leão Lopes no final disse “está tudo dito”.
Emotivo, triste, de dar arrepios. Foi hilariante a cena das batucadeiras. Presença viva da cultura cabo-verdiana. O próprio não conseguiu conter a emoção.
Durante o filme parecia que estava numa sala de mórbidos escutando as vozes de lamentação sussurrando todo o sofrimento que haviam passado.
Alguém disse, falar da história dos contratados, da emigração cabo-verdiana para São Tomé e Príncipe é talvez falar do capítulo mais triste, mais mórbido da história de Cabo Verde.

Hoje existem cerca de 34530 cabo-verdianos ou descendentes de cabo-verdianos em São Tomé e Príncipe um país de 160.000 habitantes.
Pelo documentário também fica-se com a impressão que os cabo-verdianos ou os descendentes já não almejam tanto o retorno á sua terra natal. Querem antes de mais uma vida digna, uma vida de reconhecimento pelo que já passaram, sentem-se também santomenses e querem contribuir de alguma forma para o desenvolvimento económico-social do país. Não querem ajudas para voltar, querem ajudas para que possam construir uma vida, para que seus filhos tenham oportunidades de estudar, de trabalhar, ter acesso à saúde, segurança e não sejam eternos sobreviventes.

Só me resta dizer obrigado ao Leão Lopes pela grandiosidade do documentário e ao CaboVerdiano pela dica.

Diário de Viagem (II)



El Salvador, 8 de Setembro de 2009 – 21:03 hora local

Depois de um dia cheio de actividades, jogos e reflexões pessoais, estamos neste momento numa Tertulia (uma roda de conversa). A convidada de hoje é Deyse Cheyene da IMU (Instituto de las Mujeres). Uma salvadorenha ex-combatente da guerra civil nacional dos anos 80. Veio nos transmitir um pouco de sua experiência como defensora dos direitos humanos no geral e em particular das mulheres, em diferentes perspectivas e contextos. Pré golpe de estado, durante a guerra civil, pós-guerra civil, ditadura e democratização. Também irá nos fazer um balanço dos 100 dias do Novo Governo. Vamos isso? Diz ela:
“Durante a guerra civil, a ditadura, o papel dos movimentos são vistos de alguma forma como aliados. Alias fortes aliados. Todos lutam por um objectivo. O movimento feminista não fica atrás neste intuito. É hora de unir forças e combater uma ditadura fascista. Contudo o que acontece ao alcançar o objectivo final é o que acontece quase sempre em lutas revolucionárias: os movimentos sociais, todos sem excepção são simplesmente esquecidos. Me deparo aqui por minutos, tentando encontrar uma explicação para tal, mas não tenho sucesso. A única que me vem à cabeça é esta: simplesmente esquecidos.
O movimento feminista de repente, se vê (particularmente), sem rumo, sem direcção, sem uma bússola. E agora!!?? A participação na guerra considerada notória não é reconhecida. O sentimento é de que depois de 12 anos de luta, combateram por direitos de outrem e não do conjunto ou quiçá de si próprios.
Daí a luta que terminara teria que recomeçar, agora procurando seus próprios direitos e sair do plano secundário (nem isso), plano de esquecimento.
O fim da guerra sempre vem acompanhado de, digamos, vantagens e desvantagens. Prós e Contras. Esperança, liberdade, receio, angustia, etc. Uma mescla de sentimentos.
El Salvador passa a ser governado por uma ideologia de ultra-direita, burguesia emergente. Na linha do que está acontecendo no mundo na época (década de 90), o governo exerce uma politica neoliberal forte, com direito a “apadrinhagem” do Banco Mundial. Considera esta instituição que o exemplo de El Salvador devia ser seguido por todos os países da América Latina.
Nisto, como a própria história mostrou, Salvador atinge índices de pobreza extremamente baixos, níveis preocupantes de discriminação social, aumento do narcotráfico, aumento da violência, chegando a ser uma das cidades mais violentas da América Central, abandono escolar, prostituição. Todos esses índices têm maior incidência sobre as mulheres do que nos homens.”

A situação melhorou bastante, consideravelmente, considera Deyse. Tudo fruto de um trabalho implementado de forma estratégica e organizada. Sessões de auto-estima, de mudança de paradigma entre outros, contribuíram para tal.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Suchitoto, El Salvador (I)





Suchitoto é um município situado a oeste de San Salvador, sua extensão territorial é de 329,2 km2, sua altitude sobre o nível do mar é de 388m.
Concentra 28 cantões e 77 comunidades, a população urbana é de 7.000 e a rural de 20.000. É um município com muita identidade marcada pela memória de guerra civil ocorrida nos anos 80. Durante o conflito armado quase se transformou numa cidade-fantasma, devido aos bombardeamentos do exército que dizimaram muitos civis.
Depois dos acordos de paz, o município implementou acções com a vista à reconstrução, principalmente em infra-estruturas sociais básicas.
Conta com um Plano de Ordenamento Territorial, um Plano de Turismo, Conservação e Restauração da cidade e um Plano de Tratamento Integral de Esgotos.
O esforço e consequentemente o êxito do município resultam de uma provisão e visão clara da participação activa da população local. As principais actividades económicas do município: agropecuária, turismo, pesca artesanal, comércio.


Fotos: Ivan Santos

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010


"A Liberdade de Imprensa sobrepõe-se ao Segredo de Justiça"

(um jornalista da nossa praça)

Comentário: O que acham!?

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Brasil rumo ao Hexa (?)



Em ano de Copa do Mundo de Futebol, o presidente brasileiro Lula da Silva juntamente com a Associação dos Campeões Mundiais do Brasil, negociaram “presentear” jogadores que estiveram nas cinco conquistas brasileiras de campeão mundial. A saber: 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002. O valor pode chegar aos 465 mil reais.
Boa iniciativa até para garantir a aposentadoria de alguns jogadores. Mas de qualquer forma fica a pergunta, ou melhor algumas perguntas.

E os praticantes de outros desportos, não merecem tal “prémio”? E porque esta iniciativa surge em ano de Copa? Onde vai sair o dinheiro para tal? Dos cofres públicos?

Homenagem a Haiti

Para Didier Dominique e o povo do Haiti, e para meu pai, Roland Klueger, que faria 88 anos hoje.


Era uma vez um rei e um menino. Fico pensando se há alguma palavra que signifique, ao mesmo tempo, exaustão, terror, desespero e desesperança, tudo isto somado e elevado a décima potência, mas não encontro tal palavra. Só que era bem assim que estava o menino: tinha dois anos, encolhia-se de olhos catatônicos no vazio de uma calçada logo depois do terremoto do Haiti, e apareceu na televisão. Eram tantos em desespero em torno dele, eram tantos... Eram tantos os mortos em torno dele, eram tantos... Quem conseguiria prestar atenção em mais aquele menino dentro de tanta desgraça, a não ser aquele olho malicioso de uma televisão, que pegou o menino e o jogou no meu colo, sem que eu so ubesse o que fazer com ele?

Era uma vez um rei e um menino. O rei era pura saúde, garbo e fidalguia: vestido com trajes tribais, tinha no rosto e no corpo os mesmo desenhos em branco, preto e vermelho que também estavam no escudo de couro que segurava na mão esquerda, pois na direita segurava a lança segura e certeira que o tornara rei tamanha a sua perícia ao caçar o leão. Ele era grande e espadaúdo, mas maior ainda era a sua fama, pois não só ao leão enfrentava: quando seu povo tinha fome, ele afrontava até os grandes elefantes, e todos viviam felizes no seu reino, bem alimentados e saudáveis, e o rei era feliz também.

Certo do poder da sua felicidade e da sua lança, o rei nunca entendeu como lhe caíra em cima aquela rede que o despojara do seu escudo, da sua lança, da sua força e da sua liberdade – como tantos outros da sua terra, teve que se curvar à chibata do traficante, aceitar a gargantilha e as algemas de ferro, resistir à longa caminhada da coleante corrente feita de gente e de ferros, viver a aviltância do navio negreiro.

A saúde antiga deu-lhe forças para chegar vivo àquela terra de degredo, de escravidão, e cruéis homens brancos de outra fala, à força de chicote, subjugaram-no e ele teve que se curvar, sem lança, sem pintura, sem escudo, e cultivar a cana que produzia o açúcar, o rum e a riqueza daqueles usurpadores da sua liberdade. Nunca mais ele foi feliz; nunca mais soube do seu povo e seu povo nunca mais soube dele, e só o que havia de belo era o mar daquela terra, todo verde, azul e transparente. Houve, também, uma mulher que reconheceu nele a fidalguia conspurcada, e antes de morrer prematuramente, o rei teve um filho, negro e lindo como ele, e que na verdade era um príncipe – mas foi um príncipe que nunca teve uma lança e que não conheceu os desenhos e as cores tribais – ao invés de leões, só houve para ele o látego do algoz.

Outros príncipes foram gerados na descendência do rei, naquela terra que parecia incrustada num mar de turmalinas, e todos tiveram a vida miserável de escravo, enquanto seus senhores tinham as vidas nababescas dos poderosos.

Um dia, já não dava mais de suportar. Eles eram mais de 500.000 negros, e os senhores eram 32.000, certos que a força do látego manteria aquela situação indefinidamente. E junto com os demais escravos os descendentes do rei lutaram e lutaram e venceram – desde 1791 a 1803 – nesse último ano venceram até o exército que Napoleão Bonaparte mandara da França. E conquistaram a liberdade!

O Haiti foi o primeiro país da América dita Latina a ser livre, a fazer a independência, isto lá em 1804, antes de todos os demais. É de se imaginar o frio que correu na espinha de tantos outros colonizadores brancos: uma república, e de negros? E se a coisa pega? Olha que escravo está tudo cheio por esta América de meu Deus! Que se faz, ai ai ai?

De modo geral, o que se podia fazer eram independências rápidas, feitas por brancos (e elas aconteceram uma depois da outra) e muita matança de negros, para evitar que a coisa trágica se repetisse e sujasse o bom nome da dita civilização européia! Sei bem como foi tal matança no Brasil: foi na guerra do Paraguai, foi na revolução Farroupilha... – não estou inteirada de como foi nos outros países, mas que a matança foi grande, lá isso foi. E a “civilização” branca quase pode respirar, aliviada – só que havia aquele pequeno país, aquele maldito pequeno país lá incrustado naquele mar de ametista, o tal do Haiti, que era um país de negros – e nunca que a tal “civilização” branca poderia deixar aquilo là ¡ florescer de verdade – era afronta demasiada.

E nos dois últimos séculos o Haiti sofreu tudo o que é possível sofrer-se para que sua crista se quebrasse: invasões, ditaduras, golpes de Estado, o bedelho dos brancos sempre indo lá e tentando botar tudo a perder, mas a valentia daquele povo parecia indomável, e o Haiti, mesmo não conseguindo florescer como deveria, era exportador de café, de arroz, era o maior produtor de açúcar do mundo, era um país que tinha seus filhos bem alimentados a arroz, a banana, os porcos abundavam e produziam pratos deliciosos, acompanhados de banana frita, iguaria tão caribenha...

Foi agora, agorinha, no tempo da violência do neoliberalismo, o que nos leva a 1980, que o complô dos brancos resolveu que já não dava mais, que era muito absurdo em plena América ver um país de negros sobrevivendo e sobrevivendo impunemente... Então foi programada a tomada definitiva do Haiti. Foi daquelas coisas mais malévolas que as mentes doentias podem programar visando lucro: aos poucos, introduziram-se as pragas necessárias na ilha incrustada num mar de safira, e morreram todos os porcos, e depois todo o arroz, e depois toda a banana, e depois veio a praga do café.. . Aqueles negros corajosos não sobreviveriam, ah! La isso não poderia acontecer! Viveriam apenas para voltar à condição de escravos, e igualzinho como os europeus, em 1885, no Tratado de Berlim, dividiram o mapa da África à régua, causando as milhares de desgraças que estão acontecendo até hoje, os brancos do neoliberalismo pegaram o território do Haiti e o dividiram em 18 futuras zonas francas onde não haveria lei, onde o Capital imperaria, e onde, as pessoas tão famintas que estavam assando biscoitos de argila para poderem ter algo no estômago trabalhariam, de novo, em regime de escravidão. Pode parecer que tal coisa é distante de nós, mas não é. O próprio vice-presidente do Brasil, José Alencar, é alguém tão interessado no assunto que até mandou seu filho para lá para cuidar dos seus futuros interesses imperialistas. E o execrável outro dia ainda saiu do hospital, depois de mais algumas cirurgias, sorrindo para as câmaras das televisões e declarando que poderia perder tudo na vida, menos a honra. Que honra pode ter um homem assim?

(Não consigo me furtar de contar de que forma a nefanda honra do vice-presidente atingiu diretamente minha família, recentemente. Numa só tarde, uma das empresas dele, aqui na minha cidade de Blumenau/SC/Brasil, a Coteminas, demitiu 600 empregados, assim sem mais nem menos. Três primos meus, lutadores pais de famílias, perderam o emprego sem entenderem muito bem por quê – o porquê é fácil: nas novas fábricas que o “honrado” vice-presidente anda montando lá nas zonas francas do Haiti, os novos empregados trabalharão pela décima parte do salário que os meus primos ganhavam – e o salário dos meus primos já não era grande coisa.)

Bem, então tínhamos um Haiti em petição de miséria, e daí veio o terremoto. Que poderia ter acontecido de melhor para o Capitalismo e o Imperialismo dos EUA? Até o palácio presidencial do governo títere ruiu – daqui para a frente é apenas tomar posse – já não há barreiras. Ao invés de ajuda humanitária (que eles não deram nem aos flagelados do furacão Katrina, em seu próprio território) os Estados Unidos estão, descaradamente, diante de todo o mundo, fazendo a ocupação militar do Haiti com o seu exército, e tudo parece bonitinho, com a Hilary indo lá para ver como é que estão ajudando... ajudando uma ova! Alguém já viu os Estados Unidos ajudar alguém de verdade?

Não deixo de louvar as tantas e tantas equipes de tantos e tantos países que lá estão, realmente levando ajuda humanitária para aquele povo quase que nas vascas da agonia – mas a semvergonhice do Capital está lá, também, sorrindo de felicidade com sua cara de caveira.

E então o olho de uma televisão espia lá aquele menino de dois anos arrasado pela exaustão, pelo terror e pelo desespero, encolhido num vazio de uma calçada, e o joga brutalmente no meu colo – e quando tento acalmá-lo acolhendo-o junto do meu coração, ele me conta do rei, seu antepassado – aquele menino moído pelo Capital e pelo terremoto é nada mais nada menos que um príncipe, e seu antepassado que foi rei e livre caçava leões e elefantes e alimentava um povo – o menino sabia, a família sempre contara adiante o seu segredo.

Céus, céus, o que fizeram com as gentes livres da África, que quiseram apenas continuar vivendo com dignidade naquela ilha de onde já não podiam sair? Quem vai cuidar daquele menino antes que ele retorne à condição de escravo de onde seus antepassados tanto tentaram sair?

Eu choro, Haiti, choro por ti, e por teu menino, e por aquele rei. Não sei fazer outra coisa além de chorar.


Blumenau, 17 de janeiro de 2010.

Urda Alice Klueger (Escritora e historiadora)


Cometário: um minuto de silêncio em memória às vitimas

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