segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Diário de Viagem (I)


Setembro de 2009 fiz uma viagem a El Salvador, América Central, para participar numa formação "Escuela Metodologica de Masculinidades" Equinnocio 2009.
O programa tem por interesse abordar homens que, pela sua posição e poder organizacional, são tidos como agentes-culturais na formulação de políticas, na mudança de práticas e atitudes e na realização de projectos, com vista atingir a equidade de género e a prevenção da violência. Pretende assim, gerar modificações nas práticas quotidianas de homens-líderes de comunidades, organizações não-governamentais e entidades estatais.
Toda a metodologia, todo o processo em si, gira em torno de uma lógica quotidiana, vivencial, pessoal. A metodologia passa sim por um conceito racional, mas este terá de ser acompanhado, terá de caminhar juntamente com o conceito espiritual. Constituiu um momento para a mudança pessoal, para uma nova abordagem pessoal, para em seguida contribuir para um ganho profissional. Ou seja, a partir desta experiência conseguimos identificar, reconhecer marcas do modelo hegemónico presentes em nós. Isto já é um grande avanço na luta, na promoção da igualdade de género.
Os dias passados em El Salvador, a convivência e a troca de experiências, serviram para preparar pessoal e profissionalmente, encorajar, motivar e capacitar para enfrentar novos desafios que aparecerão, visto que o modelo hegemónico vive se reproduzindo.
Sem mais conversas, como todo bom viajante (ou não), rabisquei algumas linhas que denominei “Diário de Viagem”. Passo agora a compartilhar com vocês esta série.

El Salvador, 7 de Setembro de 2009, 21:56 hora local

Demorei muito mas aqui estou eu. Desde que cheguei aqui, neste pequeno país que me cobre e me castigo mentalmente para que escreva algo e expresse de alguma forma esses dias inicias nesta experiência. Pois aqui estou. Mesmo assim, a dificuldade permanece, só se passaram três dias desde que cheguei mas a impressão que tenho é que já estou cá a cerca de um mês ou mais.
Aconteceram tantas coisas, risadas, angustias, tristezas, alegrias, reflexões, curiosidades, receios, enfim…uma mescla de sentimentos incrivelmente misturados que nunca havia passado. E ainda faltam 15 dias.
Ao primeiro dia chegado nestas terras, depois de uma viagem longa, cheia de turbulências, sinto-me um estranho “o que é que eu vim fazer aqui? Onde vim parar” (as perguntas típicas que vêm à cabeça quando chegamos num local totalmente desconhecido). Me apresento ao balcão da polícia de fronteira e logo me pergunta: “Cabo Verde, onde fica?” e lá vou eu lhe explicar. Ele com uma cara de assustado, parece que faz para si as mesmas perguntas que eu tinha feito para mim. Esboçando um sorriso, um carimbo de permanência de 20 dias e lá me desejou boa estadia. Logo ao sair da policia de fronteira, uma pequena hostilidade. Agora são dois polícias mal encarados, que logo me mostram que não estão para brincadeiras. Me apontam o crachá de identificação à cara. Mais perguntas. Eles foram mais objectivos e não se ficaram só pelos pensamentos (ao contrário do simpático policia de fronteira). Razões da viagem? Porque de tão longe? Que tipo de evento vou participar? Se pertenço a alguma organização? Folheiam meu passaporte de frente para trás, de trás pr’a frente, repetem as perguntas, uma, duas, três…vezes sem conta! Olhares desconfiados. Revistam a bagagem, a mim e repetem as revistas, as perguntas…
Tento de todas as formas lhes arrancar um sorriso que seja, sem qualquer sucesso.
Bom, lá consegui me livrar dos mal encarados, que pelo menos me ajudaram a arrumar a bagagem. Me desejaram boa sorte e boa estadia. Menos mal.
Ao sair, passo uma vista de olhos nas pessoas que se encontram no aeroporto…e…não nenhuma placazinha a dizer “Ivan Santos” ou “Cabo Verde” ou Equinoccio”. Nada. As perguntas, essas voltam a pairar sobre minha cabeça. Sou o único negro a desembarcar com cara de “gringo” e lógico, cara de totalmente perdido.
Com toda a simpatia do mundo chega um senhor taxista me perguntando algo. Pelos gestos e pelo sentido da frase, entendi que ele me perguntou se alguém viria me buscar. Aceno com a cabeça afirmativamente e timidamente deixo escapar um “sí”.
Muitos esperando, o taxista simpático vendo meu patente desespero, mais uma vez se mostra prestativo e me pergunta se tenho algum endereço, dirección!? Pergunta ele. Telefono!?. Apressado lhe passo o único telefone para contacto que trago comigo. Ele lá tentou fazer a ligação, mas ninguém atendia. Para aumento do meu desespero.
Até que vejo alguém ao longe se aproximando com uma camisa laranja. Minha satisfação era evidente, tanto que podia ver a cor da camisa como uma luz intensa que me incandescia os olhos. Letras grandes que diziam Equinoccio 2008. Naquele momento não importava de que ano era, desde que estivesse escrito Equinoccio. O acolhimento que lhe dou não lhe deixa dúvidas nenhumas sobre quem eu era. Logo me disse: “Iván, estábamos muy preocupados con usted! Perdón se te hay causado algún problema”. Era Dennys Gary.
No caminho para o centro da cidade, surgem as perguntas de praxe: “Como fue a viaje?” “Hablas español?” ” Como es Cabo Verde?” “Tienes hambre (fome)?” etc, etc…
Chegamos a uma pensão, “Casa Clementina”. Muito acolhedora, típica de uma pensão, rústica, simples, agradável, eu diria. Dennys me ajuda a transportar a mala até ao quarto. Sua atenção e prestação para comigo nesses minutos que estivemos juntos é impressionante. Queria me acomodar e fazia de tudo que estava ao seu alcance para que me sentisse em casa. E quando isso aconteceu, parecia que ele tinha tirado um peso das costas e logo me comunica que nos voltaríamos a encontrar no domingo. Era quinta-feira. Fiquei sem chão por segundos. Até domingo??? Mas logo depois disse cá p’ra mim, consigo me virar sozinho até lá, não!? De seguida, durmo o sono dos justos (ou coisa parecida. Apago mesmo.
No dia seguinte acordo e ainda tentando me recompor, alguém bate à porta. Uma voz feminina me diz: “señor Iván, telefono!!!” Era Hector. Tinha me ligado para saber se estava bem e dar as boas vindas. Diz-me que iria passar para me buscar à tarde, para conhecer o Centro Bartolomé de las Casas e aproveitar para conhecer o centro histórico da cidade. Musica para os meus ouvidos. Logo me apresso, tomo um banho, e já estou pronto (ainda faltavam pelo menos cinco horas para o horário combinado). Desço cumprimento a dona da pensão, a senhora Clementina. Simpática me pergunta se descansei bem e me pergunta se quero comer algo. Me prepara um desayuno (pequeno-almoço), com ovos, bacon, pão, café, frutas etc, etc….uma delicia. E assim lhe devoro.

2 comentários:

Lara Amado Almeida disse...

soube-me a pouco...
vê lá se publicas qualquer coisita hj ainda :)

Ivan Santos disse...

Já a seguir...!