terça-feira, 27 de março de 2012

Partilha de texto

Leio frequentemente o Liberal. Através desse órgão de comunicação fico informada de muitos assuntos que de outra forma não chegariam ao meu conhecimento. Alguns artigos que publicam me fazem reflectir e a estar mais atenta sobre variados aspectos da sociedade cabo-verdiana. Com isto quero dizer que reconheço como meritória a labor informativa que desenvolve este órgão de comunicação. Mas, ontem fiquei perplexa, quase que tão estupefacta que nem dava para reagir. Tenho perante mim o parágrafo da notícia, leio e releio o texto e não consigo compreender, ou melhor dizendo, à perplexidade juntam-se várias emoções, e sinceramente não sei qual delas pesa mais, se a revolta ou a tristeza.

É verdade que são particularmente urgentes novas formas de actuação nas disputas políticas e eleitorais e noutras formas de participação cívica e política. É verdade também que o insulto não é coisa nova, sobretudo nas disputas eleitorais, e sobre todo o insulto às mulheres. É uma prática corrente, é só ir aos arquivos e ver como a nossa admirável Zau foi tratada em várias ocasiões, sem que praticamente se registassem reacções… Agora convenhamos esta é demais. É o sexismo e a discriminação à mulher na sua mais alta e nauseabunda expressão, apesar de que o autor ou autora do artigo, pareceu achar de bom-tom o termo que utilizou: meretriz, que é mesmo que dizer prostituta, mulher de má vida.

O autor ou autora ao utilizar o termo além de incorrer num crime, que deve ser objecto de enquadramento judicial adequado enquanto acto ofensivo e difamatório, comete também um acto manifesto de discriminação social, exercido sobre todas as mulheres e especialmente sobre aquelas que fazem da prostituição uma forma de ganhar a vida. Ele ou ela as coloca no mais baixo patamar da escala social apenas pelo facto de se tratar de mulheres? Mas porque? Será que andar as chapadas, usar a violência física para controlar as pessoas é um recurso apenas utilizado por elas? Será que essa é a sua forma de comunicação? Que quer indicar, qual é a mensagem? Acaso quer restringir a nossa liberdade de circulação? …Ou será simplesmente que achou que o significado da palavra é tão ofensivo, para a mulher a qual foi dirigida e para as mulheres em geral que nos intimidaria para todo e sempre?

Machista no seu pior. Não abonatório para nenhuma força política. Uma tentativa de atacar da forma mais burra à participação das mulheres nos processos de tomada de decisão, de tornar tal presunção num acto socialmente reprovatório. Projecta-se como uma tentativa de degradar, de com uma penada retirar a importante contribuição das mulheres, de todos os sectores sociais na construção da nação cabo-verdiana. Intimidatório dado o contexto pré-eleitoral que estamos vivendo, pois pode ser considerado um aviso a navegação: mulheres não entrem na disputa porque as vamos triturar.

Volto a enfatizar que é verdade que são particularmente urgentes novas formas de actuação nas disputas políticas e eleitorais e noutras formas de participação cívica e política, mas também é verdade que necessariamente estas novas formas de actuação devem passar também pela penalização severa das manifestações ofensivas e vexatórias, que reproduzem e reforçam estereótipos sexistas.

Pela boca morre o peixe. Desde a revisão constitucional de 1999, que a lei magna erige como limite à liberdade de expressão e informação, o dever de não fazer a apologia da discriminação da mulher (Artigo 47º). Neste caso “O Liberal” discrimina, porque subjacente ao termo utilizado encontra-se um preconceito feroz contra as mulheres. Completamente gratuito e desnecessário no contexto do artigo, ofensivo, ultrajante e misógino. A utilização do termo constitui uma manifestação de intimidação e de controlo social.

Por Maritza Rosabal.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Flores vs. Direitos

No Dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade norte americana de Nova Iorque, fizeram uma grande greve. Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores condições de trabalho, tais como, redução na carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho.
A manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num ato totalmente desumano. (fonte internet, História do 8 de Março)

Mais tarde foi institucionalizada a data como o, dia Internacional da Mulher. Todos os anos as mensagens que circulam nos media (ainda mais agora com as redes sociais) e um pouco por toda a população, é quase sempre a mesma: mulher é mãe, mulher é esposa, mulher é dona de casa, mulher é flor etc etc…, as mensagens acabam por girar em torno do espaço privado (dentro de casa). E eu pergunto-me: será que esta data, quando foi internacionalmente consagrada tinha como objectivo relembrar, reiterar, representar e continuar a desafiar a conquista e a luta das mulheres por direitos no espaço privado ou espaço público?

Creio que o 8 de Março está longe de ser e de se resumir a uma simples entrega de rosas… representa uma transformação na forma de encarar as mulheres e seu papel social. Marca o inicio de uma reflexão profunda, no qual a mulher reclama para si direitos que terão impactos no desenvolvimento sócio-económico. Reclamam seu lugar no espaço público, esse tal espaço tão controlado por uma hegemonia masculina, provando ao mundo que podem ser muito mais do que esposas, donas de casa, mães.

O caminho foi longo e árduo até chegar aqui, que o digam as mulheres que reclamaram o direito ao voto, o direito a salários iguais, o direito a poderem abrir uma conta no banco, assinar um cheque ou a ter propriedade e/ou bens em seu próprio nome, o direito a serem consideradas e vistas como mulheres sim, mas principalmente como seres humanos dotados de plenos direitos. Hoje temos mecânicas, engenheiras, arquitectas, jogadoras de futebol, treinadoras, juízas, advogadas, médicas, empresárias, comandantes, ministras, deputadas, presidentes de municípios, pedreiras, electricistas, realizadoras, directoras, gerentes.

E o mais curioso é que, apesar de todas estas conquistas têm acarretado um duplo fardo: o de terem novas funções no espaço público e ainda as suas funções no espaço privado, elas continuam a ter que, sozinhas, serem mãe, esposas, mulheres, “donas” do lar …

Portanto este dia especial, merece comemorações especiais. Merece reflexões, debates críticos, aprofundamentos de inclusão de perspectivas de género a todos os níveis, oportunidades e desafios iguais, sensibilização e engajamento de toda a sociedade civil em particular os homens, para que tenhamos uma sociedade baseada no respeito, na partilha e mais igualitária.

Por isso tudo, um bem haja ao 8 de Março.